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Dez anos da Lei de Acesso à Informação na Índia

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Um Jan Sunwai, espécie de audiência pública convocada pela sociedade civil, na cidade de Ranchi, em outubro de 2008. Mais de 4500 pessoas estiveram presentes para debater sobre financiamento das escolas públicas. Foto:  School Choice

Um Jan Sunwai, espécie de audiência pública convocada pela sociedade civil, na cidade de Ranchi, em outubro de 2008. Mais de 4500 pessoas estiveram presentes para debater sobre financiamento das escolas públicas. Foto: School Choice

Os indianos fazem mais de 4,5 milhões de pedidos de acesso à informação por ano aos seus governos central e estaduais, segundo um relatório divulgado pela ONG Commonwealth Human Rights Initiative (CHRI) para celebrar os 10 anos da publicação da lei de acesso à informação da Índia, completados no último dia 23 de junho.

Essa cifra, classificada como “conservadora” no estudo, faz com que a Índia seja, provavelmente, o país que mais faz pedidos de acesso à informação no mundo. Só para o governo central, foram feitas 811 mil requisições entre maio de 2013 e junho de 2014.

Para comparação, o governo central dos Estados Unidos atendeu, entre outubro de 2013 e setembro de 2014, 714 mil pedidos. Já o governo federal brasileiro recebeu 102 mil requerimentos no último ano. Nem no Brasil, nem nos EUA há uma estatística dos números consolidados de pedidos de informação que inclua os que foram feitos a cada Estado. A Índia, como o Brasil e também os EUA e o México, tem uma estrutura federativa de organização político-administrativa. Por isso, analisar esse país pode ajudar a melhorar as políticas públicas de acesso à informação no Brasil.

Mobilização popular para a aprovação
A atual lei indiana de acesso a informação foi aprovada após uma intensa campanha popular, que já foi comparada com a experiência brasileira de aprovação da Lei da Ficha Limpa. Uma legislação anterior sobre o tema havia sido aprovada pelo Congresso indiano em 2002, mas as mudanças realizadas durante o processo legislativo desconfiguraram a proposta original feita por organizações da sociedade civil, como a National Campaign for People’s Right to Information (NCPRI, que pode ser traduzida como Campanha Nacional pelo Direito do Povo à Informação).

A NCPRI congrega até hoje entidades e movimentos de diversos tipos, como organizações de defesa da liberdade de imprensa, ONGs de direitos humanos, incluindo a CHRI, e muitos grupos de caráter popular que tratam de questões como a garantia ao emprego e o acesso à moradia e à saúde.

Entre essas entidades populares, está a Mazdoor Kisan Shakti Sangathan (MKSS, algo como Associação para o Empoderamento dos Trabalhadores e Camponeses), que é apontadacomo uma das primeiras a se interessar pela luta em favor do acesso à informação.

A MKSS foi criada em 1987 por um grupo de camponeses que queriam evitar que sua terra fosse tomada por um grande fazendeiro, no Estado indiano de Rajastão. Nos anos seguintes, eles começaram também a organizar a população que estava em frentes de trabalho do governo indiano e que, apesar de cumprir os dias de trabalho, não estavam recebendo os seus salários. Nessas duas experiências, a MKSS precisou ter acesso a informações públicas para conseguir avançar em suas lutas. Na primeira vez, a organização buscou os registros de propriedade das terras da região e, na segunda, foi atrás das planilhas com os recursos enviados pelo governo central para pagar o salário-mínimo das frentes de trabalho. Essas experiências levaram os ativistas à constatação de que uma maior transparência nas informações do governo era uma enorme necessidade.

Em 1996, depois que jornalistas, advogados, professores universitários e funcionários públicos aposentados se aproximaram da MKSS, foi criada a Campanha Nacional pelo Direito do Povo à Informação. Nos anos que se seguiram, quatro Estados indianos fizeram suas leis de acesso à informação, até que, em 2002, o governo central indiano apresentou ao seu Congresso a Freedom of Information Act (Lei da Liberdade de Informação). Aprovada, a lei foi muito criticada pelas organizações do país que lutavam por transparência nas informações públicas, por não atender suas reivindicações.

A campanha continuou com ações de lobby junto aos congressistas e diversas manifestações públicas. Um tipo especial de ato político acabou tornando-se uma marca dos movimentos indianos pelo acesso à informação: os Jan Sunwai, que são organizadosaté hoje. O modo de funcionamento dos Jan Sunwai lembra uma audiência pública, mas sua convocação é feita por organizações da sociedade civil, que coletam dados sobre um determinado problema, como moradia, aposentadorias rurais ou violência contra a mulher, e chamam representantes do governo para dar mais informações sobre a questão e escutar as demandas da população.

A pressão funcionou e, em 2005, foi aprovada uma nova lei, mais próxima do que as entidades da sociedade civil defendiam, chamada de Right to Information Act, (Lei pelo Direito à Informação), com validade para todos os órgãos do governo central da Índia e também para os governos dos 28 Estados indianos.

Utilização criativa da Lei
A maneira como os indianos utilizam sua lei de acesso à informação é bem ampla. Existem inúmeros casos de sucesso e até algumas histórias inusitadas de aplicação da Lei. P.M.L. Kalayansundaram é morador de uma pequena cidade chamada Pondicherry. Ele se define com um militante dos direitos humanos e contou, em uma entrevista para The New York Times, como um pedido seu de acesso à informação levou à reabertura da investigação de um caso de assassinato e à posterior identificação do assassino.

Muitas organizações de pequenas cidades do interior da Índia se especializaram em trabalhar com os pedidos de acesso à informação, reunindo diversos ativistas. Eles são tantos e tão ativos que a ex-presidente Pratibha Patil chegou a declarar que essa lei “criou um verdadeiro parlamento popular”. Susheela é uma dessas ativistas do acesso à informação. Mãe de dois filhos, ela resolveu agir quando percebeu a constante falta de remédios no posto de saúde de sua cidade. Em entrevista ao site jornalístico indiano Tehelka, ela conta que, com os seus pedidos de informação, foi possível descobrir que os funcionários do posto de saúde desviavam os recursos para a compra de medicamentos.

No entanto, muitos dos que fazem pedidos de acesso à informação são alvo de ameaças na Índia. Segundo a CHRI, nestes dez anos, 39 ativistas do acesso a informação foram mortos e outras 275 pessoas foram ameaçadas ou agredidas como forma de repressão.

“Como a Lei do Direito à Informação não determina que o nome de quem faz o pedido de informação deva permanecer em sigilo, logo que o pedido é feito a identidade de quem o fez passa a ser conhecida por aqueles que podem ser prejudicados caso a informação venha a público”, explicou Ventakesh Nayak, da CHRI, para o jornal Hindustan Times.

Por isso, várias organizações que participam da Campanha Nacional pelo Direito do Povo à Informação estão agora lutando por uma lei que proteja os ativistas em prol do acesso à informação e as pessoas que fazem denúncias de corrupção e outras ilegalidades, conhecidas pela palavra em inglês whistleblower.

Poucas mulheres e poucos moradores do campo
Os ativistas indianos também têm outras preocupações com a utilização da lei. Uma das questões levantadas pelo relatório da CHRI é o baixo número de mulheres que fazem pedidos de informação. Apesar dos dados incompletos, já que apenas três Estados divulgam em seus relatórios o sexo de quem faz os pedidos, as cifras são bem baixas, variando entre 2,53 % e 6,9%.

Outro problema apontado pela CHRI é que apenas 17% dos órgãos locais que recebem pedidos de informação permitem que isso seja feito via internet. A organização também questiona que menos de um quarto dos sites trazem informações nas línguas locais.

Outro problema é a concentração de pedidos entre os habitantes das cidades. O relatório da CHRI aponta que pouco menos de um quinto dos pedidos é feito pela população rural. Segundo dados de 2014, 68% da população indiana morava no campo.

E, mesmo no que se refere ao número de pedidos, os indianos não estão muito contentes. Ainda que tenha havido crescimento expressivo em relação ao período anterior em alguns Estados, como Gujarat e Odisha, que tiveram um aumento de 46% no número de requerimentos, alguns jornais lembram que o número de pessoas que utilizam a lei é pequeno, algo como 0,5% da população com mais de 18 anos.

Comparação com outros países
Para permitir uma comparação mais correta da situação no Brasil com a de outros países, o Instituto Ethos calculou a taxa de pedidos de acesso informação para cada 100 mil habitantes (veja a tabela abaixo). Se considerarmos o total de pedidos feitos na Índia – 4,5 milhões, incluindo os requerimentos para o nível estadual –, há uma taxa de 365,6 pedidos para cada 100 mil habitantes. Um número impressionante.

Entretanto, outros países não costumam ter dados consolidados dos pedidos de informação para os governos estaduais ou municipais. Por isso, para uma comparação mais correta, o ideal é utilizar o número de pedidos feitos para o governo central indiano, que foram 811 mil.

Em números absolutos, são mais do que os feitos para o governo dos EUA (714 mil) e quase oito vezes mais do que o número de pedidos brasileiros.

Se considerarmos a taxa por 100 mil habitantes, porém, os pedidos para o governo central indiano (65,6) ficam bem atrás do observado nos EUA (224) e no México (122,3). Ficam atrás até mesmo do Reino Unido, que tem uma taxa de 75,1 pedidos por 100 mil habitantes. Mas a Índia ainda ficaria na frente do Brasil, que no terceiro ano de implementação da lei tem uma taxa de 50,8.

 

PaísTotal de pedidos (em mil)População (em milhões)Taxa por 100 mil habitantes
Brasil102,9202,650,8
Reino Unido47,863,775,1
EUA714,2318,9224
México147,1120,3122,3
Índia – Gov. Central8111.236,365,6
Índia – Gov. Central e Estados4.5201.236,3365,6

 

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